Assim que terminei de ler a carta, dei-me o direito de
relê-la mais duas vezes, tamanha a minha indignação. Era como se um buraco em
meu peito fosse preenchido, mas ao mesmo tempo o vazio continuasse. Gostaria de
tê-lo ali comigo para responder, em voz alta, a sua carta. Quase sempre, ao
contrário do que muitos pensam, as palavras tem mais significado quando ditas,
com a devida entonação, do que quando escritas. E esse era um dos momentos em
que eu queria dizer-lhe tudo o que sentia, e não escrever-lhe.
Porém, como não havia alternativa, contentei-me em responder
a carta, tanto para dizer tudo o que sentia antes de seguir em frente, quanto
para amenizar nossos corações.
Sentei-me com muita calma, peguei a pena e o tinteiro,
algumas folhas de papel, e comecei a escrever as sentenças, antes que o adeus
final fosse dito. Minha letra não saiu como o esperado, mas esse era somente
mais um fator para que Lefroy notasse o meu nervosismo e espanto ao receber sua
carta.
Steventon,
29 de abril de 1799
Querido
Lefroy,
Não
costumo escrever muito sobre os meus sentimentos de forma direta, sem me
esconder atrás do amor de meus personagens, mas, farei este esforço por você; assim
como tenho feito tantas outras coisas por você, desde que nos conhecemos, e
assim como fez por mim, arriscando seu casamento ao me enviar aquela carta.
Tudo o
que estava escrito me fez chorar, por ser verdade, e sorrir, por saber que você
se sente como eu, tem os mesmos arrependimentos, e também pensa numa realidade
diferente. Aliás, tudo isso faz o maior sentido, já que você estava
completamente certo quando disse que somos um. Fomos um.
Estivemos
tão perto da felicidade plena, mas a sacrificamos por algo mais nobre: pela
família. Em contradição, não existe nada mais nobre do que o amor, e foi por
isso que desisti de nós: por amá-lo, por não suportar a ideia de dormir com
você numa cama grande e quente, enquanto a sua família, os que tanto te amam e
têm expectativas sobre você, dormiriam em montes de palha organizadas num
leito, passariam mais fome, e sentiriam como se fossem esquecidos de Deus, ou
pior, do próprio filho.
Toda
mulher solteira da minha idade fica sentada esperando que um príncipe encantado
com um cavalo branco passe em sua frente, um homem que a faça feliz e que a ame
incondicionalmente. Devo dizer-lhe, que graças a você, não preciso mais esperar
meu cavaleiro encantado, por que você já ocupou esse papel. Ao contrário do que
você imaginava, recusei casar-me com o Sr. Wisley, e assim será com os próximos
candidatos que aparecerem em minha vida, a princípio, já que pretendo
dedicar-me a escrita, e por me recusar a forçar um casamento em função de dinheiro,
por uma convenção social. Mas, por favor, não pense que o que foi dito acima
seja uma indireta, já que você realmente tem suas obrigações com seu tio, e eu,
felizmente, não as tenho com ninguém. Não tenho o mesmo relacionamento que
vocês, de dependência, em relação à renda, e de necessidade, quanto aos seus
mais próximos. Por isso, posso manter-me intacta, com esse voto de fidelidade,
e com as palavras que ainda irei dizer nesta carta.
Sabe
Lefroy, meu coração partiu-se em pedaços quando entrei naquela carruagem, sem
devidas despedidas, sem um último beijo, um último toque, com direito apenas de
um último olhar, e tenho que admitir, a presença deste vem assombrando meus
sonhos todas as noites, quando encosto minha cabeça no travesseiro e penso em
tudo, inclusive no nosso passado.
Há algo
em seus olhos que me persegue toda vez que fecho os meus. Eu tentei escapar
deles mantendo-me acordada por noites seguidas, tentando afastar você da minha
mente, mas infelizmente não consigo tirar-lhe dos meus pensamentos. Eu ainda
tenho seu rosto pintado em meu coração, rabiscado em minha alma, gravado em
minha memória, e eu ainda sinto seus lábios queimando sobre os meus, o toque
dos seus dedos, tão profundamente guardados em mim.
Por um
lado, é reconfortante saber que não sou a única a se sentir assim, por outro, o
sentimento é devastador, como se a saudade me engolisse a cada segundo.
Descobri, por fim, um jeito de amenizar esses sentimentos, e como você deve
saber, é através da escrita. Estou dando continuidade a um livro que a
princípio se chama “Primeiras Impressões”, e admito que o personagem principal,
o sr.Darcy, foi inspirado em sua pessoa.
Desejo
tornar-lhe consciente o fato de que algum personagem masculino das histórias
que ainda pretendo escrever terá um toque “Lefroy”, em algum aspecto, seja no
jeito arrogante, presunçoso, e bem aparentado; seja nos olhos azuis, na
lealdade, no carisma, na honra ou no amor que sinto.
Impressiono-me
como existe uma só palavra para definir tantas coisas, e ao mesmo tempo como
existem tantas palavras e mesmo assim, sentimentos indefiníveis. O que passamos
se encaixa no segundo caso, com certeza, afinal de contas, mesmo escrevendo
tanto, não sei se consegui tornar compreensível
o tamanho da minha felicidade em saber que você continuou sua vida, por
que somente assim conseguirei, talvez não de imediato, libertar-me do meu
arrependimento, deixando-me imensamente aliviada. E, antes que me esqueça, muito obrigada pela
homenagem quanto ao nome de sua filha. Espero somente que você não faça
diferença dela com as outras que ainda estarão por vir, justamente pela
história que o nome dessa menina resguarda. Que ela seja eternamente abençoada,
e mesmo não a conhecendo, sei das índoles de sua esposa e sei que era fará um
bom trabalho com seus filhos.
Antes
de receber a sua carta, tenho que admitir, passava horas me torturando com
imaginações de como seria seu pedido de casamento à sua esposa. Imagino-o
beijando-a e dizendo que a ama, dizendo a ela exatamente as mesmas coisas que você
disse a mim. Agora, após seu desabafo, me sinto confortável em saber que você
não me esqueceu, e que, felizmente, mesmo com tanto amor destinado à mim em seu
coração, que você não parou sua vida. Que, assim como suas esperanças ditas no
primeiro parágrafo do que me escreveu, eu não mudei, e sei agora também que
você não mudou, mas amadureceu. Isso me conforta tanto que chego a ficar feliz,
pois agora meu ego se diz satisfeito em saber que, pelo que disse em sua carta,
embora todos os “eu te amo” que você venha dizer a ela, sei que nenhum será
igual ao que disse para mim, embora não sejam, de certa forma, mentirosos,
quando ditos à sua esposa.
Nunca
me esquecerei do que passamos juntos. Daria tudo para reviver aquela despedida
na estalagem, e reconstruir aquele momento. Infelizmente, eu novamente me
oporia à nossa fuga, mas em compensação, teria lhe dado um último beijo, um
último abraço, quem sabe até teria me feito sua, já que essa será, muito
provavelmente, a última vez em que nos falamos, uma vez que é melhor não
alterar nossa situação atual. Porém, dentre todos os itens que disse que teria
feito em nossa despedida, há outro, não citado, que teria feito sem a menor
dúvida: dito, do fundo do coração, que eu amo você.
Teria
dito que, mesmo pelas circunstancias do destino, mesmo que o tempo passe, mesmo
que a idade chegue, mesmo que corram as estações e os anos, que tudo cresça ou
morra; aquilo que sentimos um pelo outro não diminuirá, mas por outro lado,
também não aumentará. Se manterá sólido, assim, se tornará eterno.
Da sempre sua,
Jane Austen.
Esse foi o último capítulo, espero que tenham gostado. Recomendo o filme "Amor e Inocência", cuja fanfic foi baseada. Obrigado pela leitura!